Testes em animais: um mal necessário?
Vegetarianismo

Testes em animais: um mal necessário?



Diante da indignação dos ativistas ao Instituto Royal (laboratório que realiza testes em animais para grandes empresas), um dos comentários mais comuns que leio de quem se opõe aos ativistas é: "teste em animal é um mal necessário". Dizem que é aceitável sacrificar o interesse de alguns em benefício do bem estar geral.

Pra começo de conversa, o que eu venho reparando é que as pessoas pensam que os ativistas de defesa dos animais e veganos em geral são ingênuos, bobinhos, são pouco estudados e não sabem nada de ciência.

Essa mentalidade está bastante evidente nos recentes debates sobre o resgate de cães no Instituto Royal. Abundam nos sites de notícias e nas redes sociais pessoas dispostas a dar aulinhas online de biologia e ciência em geral para justificar o uso de animais em pesquisas. A conversa sempre começa com o sujeito citando o seu currículo como forma de dar credibilidade ao que vai falar "sou mestrando em biologia... sou doutor em medicina... sou doutoranda em sei lá o que..." e dá-lhe "aula" e argumento de autoridade para os pobres ativistas incultos que não sabem nada!

Preparei, então, um texto baseado nos comentário dos diversos "cientistas de facebook".


1) Conhecimento científico merece credibilidade, o cientista nem sempre.

Essa é uma confusão que muitas pessoas fazem. O conhecimento cientifico funciona, melhora a vida das pessoas e a ciência merece a bela reputação que tem. Já os cientistas acabam herdando essa reputação como se fossem as pessoas mais corretas e bondosas do mundo, só porque fazem ciência. Os cientistas são pessoas comuns: sentem raiva, inveja, medo, querem dinheiro, reputação, mentem para garantir o emprego... alguns são pessoas boas, outros não sentem empatia alguma por ninguém, nem por animais...

Imagine um cientista que trabalha com teste em animais há 30 anos. É pesquisador reconhecido, vários artigos publicados, tem vários alunos de mestrado e doutorado, recebe muito $$ dos órgãos de apoio à pesquisa. Vocês acham que um sujeito desse iria abrir mão de tudo o que tem em nome dos animais? É claro que ele jamais iria defender o fim dos testes. Mas ele não pode ir a público dizer que os testes são desnecessários porque o trabalho dele depende disso. Obviamente ele irá dar entrevistas na Globo dizendo como os testes salvam vidas, são importantes para as pessoas e blablablá.

O mesmo ocorre com os "doutorandos de facebook/youtube". O doutorado do cara depende desses testes. Acham que eles iriam jogar tudo pro alto e começar um novo doutorado do zero por causa de ratos e animais "fofuchos" como cães? Entre o doutorado deles e cães, que se danem os cães! Mas eles jamais irão dizer isso no youtube. E dá-lhe explicação científica da necessidade dos testes para os pobres veganos incultos.

Outra coisa: imagine (como exemplo) um cientista que trabalha testando medicamentos em animais há 30 anos. O cara passou a vida nesse tipo de pesquisa e é isso o que ele sabe fazer. Ele sabe testar em animais, mas não faz a mínima ideia sobre como desenvolver programas computacionais que simulam os testes.
Ele não sabe, mas o colega dele da sala ao lado sabe. Quem se tornará o novo cientista top da universidade, reconhecido no meio acadêmico, recebendo fortunas de financiamento de pesquisas? É claro que as pessoas tem medo do novo e vão defender aquilo que elas sabem fazer com unhas e dentes aquilo que sabem fazer. E dá-lhe cientistas defendendo publicamente o uso de animais para "salvar vidas de velhinhos e crianças deficientes"!

Resumo: cientistas não são anjos na terra, mártires dispostos a tudo para salvar vidas humanas. Se fosse assim, não existiriam as doenças negligenciadas (doenças de países pobres que os cientistas não se interessam em estudar porque não haverá retorno financeiro). Cientistas são pessoas comuns, com todas as qualidades e defeitos. E os veganos/ativistas são muito mais inteligentes do que a massa, essa sim ingênua, pensa.

Não sou fã da revista Veja, mas essa entrevista sobre a ineficácia dos testes merece destaque:
“A pesquisa científica com animais é uma falácia”, diz o médico Ray Greek


2) "O Ministério Público não verificou maus tratos aos cães no Instituto Royal". "O Instituto Royal só faz pesquisas aprovadas pela Anvisa e pelo comitê de ética". "Os procedimentos estavam de acordo com as leis brasileiras"

Isso não significa nada. A definição de maus tratos é completamente vaga. Para muitas pessoas, se o animal não está mutilado sem anestesia e gritando de dor, então não há maus tratos. Se ele tem água e comida, pronto. Tem tudo o que ele necessita.

Prender um animal num cubículo pro resto da vida é maus tratos? Pra 99% dos cientistas, pro comitê de ética, pra polícia e pra Anvisa, não.

Eu já vi pesquisa de medicamento pra dor onde os ratos eram torturados e a eficácia do medicamento era medida pelo tanto que os ratos contorciam de dor. O aluno de doutorado ria sem parar durante a apresentação dos resultados, não teve nenhuma vergonha em mostrar ratos sentindo dor ao público, a orientadora não estava nem aí pro ratos e o teste foi aprovado pelo comitê de ética da universidade. Ser aprovado por comitê de ética não significa porcaria nenhuma a não ser pros leigos que obtém conhecimento através da televisão.

Infelizmente tive o desprazer de conhecer um membro do comitê de ética da UFMG. Ele é biólogo, odeia vegetarianos e fala publicamente que não dá a mínima pra animal algum. Me disse sem remorso que aprovará qualquer projeto que envolva animais. Isso é pra provar que cientistas não são esse poço de bondade e ética que a imprensa e eles próprios querem fingir que são. Inteligência é uma coisa, bondade e ética é outra coisa completamente diferente. Não é porque uma pessoa sabe resolver uma equação complicadíssima que ela é uma pessoa boa e justa.

Lei de proteção animal não existe no Brasil, por isso você pode fazer praticamente o que quiser com um animal e ainda assim estará dentro das leis. Pegue um porco, castre-o sem anestesia, arranque os dentes no alicate, queime-o com ferro quente, mantenha-o confinado por toda a vida e depois mate-o com uma facada no quintal da sua casa e faça uma feijoada caseira pra você e seus amigos. Você estará 100% de acordo com a lei brasileira.


3) Testes de cosméticos em animais são proibidos na Europa, mas no Brasil são permitidos. Por quê?



Por que não há interesse social no Brasil em banir os testes. Por isso achei tão importante a invasão do Royal. Como estão dizendo, o objetivo não é meramente liberar alguns cães. O grande objetivo é iniciar o debate sobre a utilização de animais em testes científicos. Debate que NUNCA foi feito até então no Brasil. Ninguém aqui nunca ligou pra isso.

Se a sociedade não cobra e tudo está funcionando muito bem do jeito que está, mudar pra que? Pra que alguém iria investir num processo mais caro se todo mundo aqui já está habituado a testar em animais, que são "matéria prima" barata e abundante?

É importantíssimo que a sociedade se posicione contra esses testes e cobre mudança. Queremos a implantação imediata dos métodos alternativos que já existem e queremos o financiamento de pesquisas que busquem produzir métodos que ainda não existem.

Os órgãos financiadores só vão aceitar investir dinheiro em pesquisas de métodos alternativos se eles forem pressionados. Se ratos, coelhos e cães são baratos e todos os cientistas os usam satisfatoriamente, pra que o CNPq (por exemplo) iria investir milhões em uma pesquisa de métodos substitutivos?

Mas não se enganem: os cientistas que estão acostumados com a situação atual vão lutar bravamente para que nada mude. Mas eles não vão dizer "não atrapalhem o meu doutorado! Eu preciso do diploma!" ou "mas tem 30 anos que eu só trabalho com essa linha de pesquisa! Não saberia mudar completamente de área trabalhando no desenvolvimento de métodos alternativos!". Eles irão apelar para argumentos sentimentalistas como "produzo remédios para crianças doentes! Os testes não podem parar!" e não terão nenhuma vergonha em vir a público dizer cinicamente que eles amam os animais e os tratam muito bem, como o idiota do Royal fez.

Mesmo que o Instituto Royal (e mais todos os laboratórios do Brasil) continuem testando em animais, essa invasão e manifestação repercutiu: toda a imprensa mostrou a realidade que ninguém parecia acreditar. A quantidade de pessoas que se conscientizaram e estão se engajando na causa aumentou muito esses dias. O que os olhos não veem o coração não sente. No momento em que foram mostrados cães, esses seres tão fodas, é impossível não se indignar com instituições que testam neles. Parafraseando as manifestações passadas: não é por 200 Beagles. A invasão foi um marco para mostrar a indignação. Não acho que a repercussão que alcançou seria conseguida fazendo-se batucadas na av. Paulista.


4) "As moléculas já foram testadas no passado, tudo o que usamos hoje um dia já foi testado em animais. Precisamos testar em animais para obter resultados confiáveis."



Assim como não podemos mudar o histórico de escravidão ou os testes dolorosos em judeus pelos nazistas, também não podemos mudar o fato de que muitos ingredientes usados já foram testados em animais. A questão é que a realidade pode ser mudada a partir de agora. Já foram feitos testes em animais exaustivamente. Os testes provocam dor e sofrimento aos animais e não vale a pena para testar a segurança dos cosméticos, especialmente quando milhares de ingredientes seguros já existem e estão disponíveis no mercado. Mesmo se o uso de animais for necessário no sentido de que precisamos usar animais para conseguir dados vitais, não podemos justificar o uso de não-humanos para tal propósito. 

Quando dizemos que os humanos têm o “direito” de não ser usados para esse propósito, isso significa simplesmente que o interesse dos humanos em não ser usados sem seu consentimento em experimentos será protegido, mesmo que as conseqüências de usá-los sejam bastante benéficas para as outras pessoas. O conhecimento científico nunca avançou tão rápido como no período do nazismo, quando se faziam testes em judeus. A pergunta que devemos fazer, então, é: por que nós achamos que é moralmente admissível usar animais em experimentos, mas achamos inadmissível usar humanos?

Por que consideramos os animais sem pestanejar como meros objetos descartáveis à disposição das finalidades humanas e ao mesmo tempo em hipótese alguma permitiríamos o uso meramente instrumental de seres humanos com severas deficiências cognitivas? Afinal, os órgãos destes últimos poderiam ser a única alternativa para salvar a vida de um ser humano produtivo e com plena posse de suas faculdades mentais.

Todos os seres humanos, com a exceção de alguns casos de anencefalia ou de estado vegetativo, têm o direito de ser considerados como fins em si mesmos única e exclusivamente por serem sencientes, e não por serem racionais. Logo, todos os seres sencientes também deveriam ser tratados do mesmo modo.


5) Boicote de empresas funciona?

Além de não testar o produto final em animais, a empresa cruelty free não pode terceirizar testes dos ingredientes

Mesmo que boicotar empresas que testam em animais não funcionasse, eu não gostaria de dar meu dinheiro suado para empresas que fazem testes em animais, enquanto há inúmeras empresas que não fazem testes nem terceirizam testes em seus produtos e ingredientes.

Estamos observando um aumento de empresas preocupadas pela questão e que se denominam "cruelty free" por não produzir e vender produtos testados em animais. Se boicotar empresas que testam em animais não funcionasse, por que existem tantas empresas empenhadas em eliminar os testes e deixar claro que não testam?

Sabemos que a grande maioria das empresas só quer saber de dinheiro e a melhor forma de abalar uma empresa é alterar negativamente seu lucro. Se um número significativo de pessoas começarem a boicotar uma empresa e deixar claro que o boicote se deve aos testes feitos em animais pela empresa, é claro que ela passará a investir em métodos substitutos e os abolir. Por outro lado, a pressão que a sociedade faz no governo pode proibir que sejam feitos testes em cosméticos. A Alemanha, por exemplo, proibiu no país que sejam feitos testes de cosméticos em animais desde 1998, ou seja, qualquer marca de cosmético alemã (Alva, Balea, Alverde, Essence, Catrice, Weleda etc) é livre de crueldade, a não ser que seja comprada por outra empresa que testa, como é o caso da Wella, que foi comprada pela P&G (empresa que faz testes em animais).

E são manifestações como as que ocorreram no Instituto Royal, capazes de mostrar à sociedade e ao governo a insatisfação da situação em que animais são submetidos nessas instituições. Só assim haverá demanda por métodos substitutivos e uma posterior proibição deles no país.

Infelizmente os remédios ainda continuam sendo todos testados em animais e muitas pesquisas continuam sendo feitas, outros seres tão sencientes como nós são torturados em nome da ciência, mesmo que este uso só se justifique para lançar mais um tipo de batom no mercado, testar armamentos ou acrescentar mais um título acadêmico ao currículo de alguém mais "iluminado".

Ainda não é possível boicotar certos remédios por enquanto, mas não me sinto uma hipócrita por isso. Fazemos o que está ao nosso alcance. A nossa luta não é por coerência de atitudes. A nossa luta é para um mundo melhor. Agir 95% a favor dos animais ainda continua sendo uma contribuição por um mundo melhor do que não fazer absolutamente nada.



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